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Geólogo e professor aposentado, trabalho este espaço como se participasse da confecção de um imenso tapete persa. Cada blogueiro e cada sitiante vai fazendo o seu pedaço. A minha parte vai contando de mim e de como vejo as coisas. Quando me afasto para ver em perspectiva, aprendo mais de mim, com todas as partes juntas. Cada detalhe é parte de um todo que se reconstitui e se metamorfoseia a cada momento do fazer. Ver, rever, refletir, fazer, pensar, mudar, fazer diferente... Não necessariamente melhor, mas diferente, para refazer e rever e refletir e... Ninguém sabe para onde isso leva, mas sei que não estou parado e que não tenho medo de colaborar com umas quadrículas na tecedura desse multifacetado tapete de incontáveis parceiros tapeceiros mundo afora.

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Michael Moore escreve sobre sua vida entre os 1% mais ricos (7nov2011)

A vida entre os 1%


Por Michael Moore

Amigos:

Terça-feira próxima farão 22 anos do momento em que estava com um grupo de operários, estudantes e desempregados no centro da minha cidade natal, Flint, Michigan, a anunciar que a Warner Bros, estúdio de Hollywood, comprara os direitos para distribuir por todo o mundo o meu primeiro filme, "Roger & Me". Um repórter perguntou-me: "Por quanto você o vendeu?"

"Três milhões de dólares!", exclamei com orgulho. Houve uma salva de palmas de gente dos sindicatos em meu redor. Era absolutamente inédito que um de nós da classe trabalhadora de Flint (ou de qualquer outro lugar) recebesse tamanha soma dinheiro a menos que roubasse um banco ou, por sorte, ganhasse o prémio da lotaria de Michigan. Aquele dia ensolarado de novembro de 1989 foi como se eu tivesse ganho a loteria – e o pessoal com quem eu vivia e lutava em Michigan ficou emocionado com o meu êxito. Era como se a boa fortuna houvesse finalmente sorrido para um de nós. O dia acabou em festas e "hurras para o Mike!". Quando você vem da classe trabalhadora tem raízes entre todos e quando um vai bem, ou outros vibram com orgulho – não só pelo êxito da pessoa, mas pelo fato de que a equipe também venceu, derrotando o sistema que era brutal e implacável e que efetuava um jogo com regras feitas contra nós. Nós sabíamos as regras e estas diziam que nós ratos de fábricas da cidade não podíamos fazer cinema, ou dar entrevistas à televisão ou conseguirmos fazer ouvir a nossa voz num cenário nacional. Devíamos ficar calados, de cabeça baixa e voltar ao trabalho. Se, por algum milagre, um de nós escapasse e tivesse acesso a uma audiência em massa e um bocado de dinheiro – bem, santa mãe de Deus, cuidado! Uma posição de influência e bastante dinheiro para fazer barulho – isso era uma combinação incendiária e só significava perturbação para os de cima.

Naquele momento, eu sobrevivia com o subsídio de desemprego, recebendo US$98 por semana. Previdência. A caridade. Meu carro morrera em abril e há sete meses não tinha veículo. Os amigos levavam-me para jantar, sempre com uma desculpa para celebrar ou comemorar alguma coisa e depois levantavam-se e pagavam a conta para me poupar a vergonha de não poder dividir a conta.

E agora, subitamente, eu tinha três milhões de dólares! O que faria com ele? Houve homens de terno e gravata a fazerem-me sugestões e pude ver como aqueles sem um forte sentido de responsabilidade social podiam ser facilmente arrastados para o caminho do "EU" e muito rapidamente esquecer o do "NÓS".

Assim, em 1989 tomei algumas decisões de fundo:
1. Primeiro pagaria todos os meus impostos. Disse ao rapaz que fazia a minha declaração de rendimentos para não efetuar quaisquer deduções além da hipoteca e que pagasse todos os impostos federais, estaduais e municipais. Orgulhosamente contribuí com quase um milhão de dólares pelo privilégio de ser um cidadão deste grande país.
2. Dos US$2 milhões restantes, decidi dividir do modo como o fazia o cantor e ativista Harry Chapin: "Um para mim, um para o amigo". Então, peguei metade do dinheiro – US$1 milhão – e criei uma fundação para distribuir o dinheiro.
3. O milhão que sobrou foi usado assim: paguei todas as minhas dívidas, paguei as dívidas de alguns amigos e membros da família, comprei um novo refrigerador para os meu pais, estabeleci um fundo de educação para sobrinhas e sobrinhos, ajudei a reconstruir uma igreja negra que se incendiara em Flint, distribuí um milhar de perus no Dia de Ação de Graças, comprei equipamento de filmar para enviar aos vietnamitas (minhas próprias reparações pessoais para um país que havíamos devastado), comprei todos os anos 10 mil brinquedos para dar no Natal ao [programa] Toys for Tots, comprei para mim uma nova Honda fabricada dos EUA e liquidei uma hipoteca de um apartamento em Nova York.
4. O que sobrou foi para uma conta-poupança simples, com juros baixos. Tomei a decisão de nunca comprar uma ação (nunca entendi o cassino conhecido como Bolsa de Valores de Nova York, nem acredito em investir num sistema com o qual não concordo).
5. Acreditava que o conceito do dinheiro que gera dinheiro criara uma classe gananciosa, preguiçosa, que nada produzia, só miséria e medo para a massa do povo. Eles inventaram meios de comprar empresas e então encerrá-las. Conceberam esquemas para jogar com fundos de pensão do povo como se fosse dinheiro deles próprios. Exigiram que as empresas se mantivessem registrando lucros (o que era cumprido através da demissão de milhares de trabalhadores e a eliminação de benefícios de saúde para os que permaneciam empregados). Decidi que se ia 'ganhar a vida', isso seria feito com o meu próprio trabalho, meu próprio suor, minhas ideias e minha criatividade. Eu produziria algo tangível, algo que outros pudessem possuir ou entreter-se ou aprender alguma coisa. Meu trabalho, sim, criaria empregos, bons empregos com salários de classe média e todos os benefícios de saúde.

Continuei a fazer filmes, a produzir séries de TV e escrever livros. Nunca iniciei um projeto pensando "quanto dinheiro posso ganhar com isso?". Nunca deixei que o dinheiro fosse a força motivadora para qualquer coisa. Simplesmente fiz exatamente o que queria fazer. Essa atitude mantém o trabalho honesto e firme – e, ao mesmo tempo, acredito que tenha resultado em milhões de pessoas comprando ingressos para estes filmes, sintonizando meu programas de TV e comprando meus livros.

Isso é exatamente o que leva a direita à loucura em relação a mim. Como é que alguém da esquerda consegue uma audiência tão vasta?! Isto não pode acontecer (Noam Chomsky, infelizmente, não é registado no The View de hoje e Howard Zinn, de modo chocante, só chegou à lista dos mais vendidos do New York Times depois de morto). Eis como a máquina da mídia está armada. Não se pode ouvir aqueles que mudariam o completamente o sistema para algo muito melhor. Só liberais tolos, que pressionam por cautela, compromissos e reformas suaves conseguem dizer algo nas páginas editoriais dos jornais ou nas entrevistas de TV nas manhãs de domingo.

De certa forma, encontrei uma brecha na muralha e meti-me por ela. Sinto-me muito feliz por ter esta vida – e não tomo nada como garantido. Acredito nas lições que aprendi na escola católica – que se você acabar por sair-se bem, tem uma responsabilidade ainda maior para com aqueles que não têm a mesma sorte. "Os últimos serão os primeiros e os primeiros serão os últimos". Uma espécie de comuna, eu sei, mas a ideia era que a família humana devia partilhar as riquezas da terra de um modo justo a fim de que os filhos de Deus tivessem uma vida com menos sofrimento.

Sai-me bem – e para autor de documentários, sai-me extremamente bem. Isso, também, leva os conservadores a ficarem desvairados. "Você está rico por causa do capitalismo!" – gritam par mim. Hummm... Não. Não assistiram aulas elementares de Economia? O capitalismo é um sistema, um esquema piramidal de pouco valor, que explora a vasta maioria de modo a que os poucos no topo possam enriquecer-se mais. Ganhei meu dinheiro à moda antiga, de modo honesto fabricando coisas. Nuns anos ganho uma montanha de dinheiro. Noutros anos, como no ano passado, não tenho trabalho (nenhum filme, nenhum livro) e então ganho muito menos. "Como é que você afirmar estar a favor dos pobres, quando é o oposto de pobre?!" É como perguntar: "Você nunca fez sexo com outro homem! Como pode ser a favor do casamento gay?!" Penso tal como aquele Congresso só de homens que votou pelo direito de voto para as mulheres, ou o grande número de pessoas brancas que marcharam junto com Martin Luther King (quase posso ouvir esses direitistas berrando ao longo de toda a história: "Hei! Você não é negro! Você não está sendo linchado! Por que é que está com os negros?!). É precisamente esta desconexão que impede os republicanos de entender porque alguém dedicaria seu tempo ou dinheiro para ajudar aqueles menos afortunados. Isso é simplesmente algo que os seus cérebros não podem processar. "Kanye West ganha milhões! O que é que ele está fazendo no Occupy Wall Street?!" Exatamente – ele está ali exigindo que os seus impostos sejam aumentados. Isso, para um tipo da extrema-direita, é a definição da insânia. Todos os demais ficam gratos por pessoas como ele posicionarem-se, mesmo se e especialmente porque isso é contra os seus próprios interesses financeiros pessoais. É especificamente aquilo que a Bíblia, que os conservadores tanto alardeiam, exige daqueles que estão bem.

Naquele dia distante de novembro de 1989 em que vendi o meu primeiro filme, um grande amigo meu disse-me: "Ele cometeram um erro enorme ao darem um grande cheque a alguém como você. Isso o tornará um homem perigoso. E prova aquele velho ditado: 'O capitalista lhe venderá a corda para enforcá-lo se pensas que pode ganhar com isso".

Atenciosamente,
Michael Moore
MMFlint@MichaelMoore.com
27/outubro/2011

O original encontra-se no sítio de Michael Moore.

Esta carta encontra-se no sítio Resistir . A adaptação para o português do Brasil é minha.

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