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Geólogo e professor aposentado, trabalho este espaço como se participasse da confecção de um imenso tapete persa. Cada blogueiro e cada sitiante vai fazendo o seu pedaço. A minha parte vai contando de mim e de como vejo as coisas. Quando me afasto para ver em perspectiva, aprendo mais de mim, com todas as partes juntas. Cada detalhe é parte de um todo que se reconstitui e se metamorfoseia a cada momento do fazer. Ver, rever, refletir, fazer, pensar, mudar, fazer diferente... Não necessariamente melhor, mas diferente, para refazer e rever e refletir e... Ninguém sabe para onde isso leva, mas sei que não estou parado e que não tenho medo de colaborar com umas quadrículas na tecedura desse multifacetado tapete de incontáveis parceiros tapeceiros mundo afora.

domingo, 20 de novembro de 2011

Ex-catadora torna-se aluna da USP (20nov2011)

As voltas da vida: a ex-catadora e a usp

Por Joelma do Couto

A exclusão neste mundo é tamanha que quando digito ex-catadora o world muda para “excitadora” e me dá outras opções, ex-saltadora, exaltadora, parece engraçado não fosse trágico. Noutro dia num evento promovido pelo vereador Ítalo Cardoso sobre o plano municipal de resíduos sólidos na Câmara Municipal de São Paulo, a representante da LIMPURB, órgão responsável pela coleta seletiva na cidade disse a seguinte frase: “é bom que os catadores participem dos eventos da cidade, assim eles ficam conhecidos, (como se não fossem) tem gente que acha que o lixo que coloca na porta de casa, desaparece por abdução, eles não sabem que são os catadores que levam o reciclável embora.” O Eduardo, do Movimento Nacional dos Catadores presente na mesma mesa, quase infartou. Imaginem a reação do restante da plateia formada na sua maioria por catadores de todo cidade? Se a cidade não conhece os catadores, mesmo depois de mais de 60 anos da existência destes profissionais, porque o world teria a obrigação de conhecer? O que ela não explicou, por exemplo, é que durante a Formula 1 a prefeitura gasta milhões na pista, mas, até onde fiquei sabendo, os catadores não ganharam nem uma marmitex com arroz, feijão e ovo. Bem se eles são ETs, talvez tenham um outro tipo de alimentação diferente da nossa… ou gostem do lanchinho.

Voltando a catadora, agora ex-catadora, se o world me permite; vou mais uma vez falar da Laíssa, nossa Lalá. Pra quem não leu  [ver HIstórias de superação: catadora na universidade].

Laíssa é uma menina de 19 anos que nasceu pobre, favelada, negra, com uma irmã deficiente e que, por ainda não estar satisfeita com todos os estereótipos e preconceitos que poderia esta família viver, a mãe, Mara, adotou mais 14 crianças, têm uma obesa também, aqui não falta problema!! Mas, sobra amor e dedicação.

A família de Mara não é formada por letrados, muito pelo contrário, Laíssa foi à primeira da família a entrar na universidade. Em dezembro de 2010 ela se matriculou em uma universidade particular. Tinha muito medo, não foi fácil encarar, mas encarou e já de cara ouviu professor dizendo que usava catador pra ganhar dinheiro. Bem, pelo menos este conhece os catadores.

Nas voltas da vida Lalá conheceu Nara, uma estudante da UNESP de Ourinhos. Nara e Lalá logo se tornaram grandes amigas. Mara a mãe de Lalá e presidente da Cooperativa de Catadores da Granja Julieta até tinha uma pontinha, pra não dizer pontona de ciúmes quando Lalá dizia que a cooperativa de catadores de Ourinhos era o máximo, linda e que a Nara e seus amigos da incubadora da UNESP faziam um trabalho maravilhoso. Achava que a filha exagerava até que ela própria viu o trabalho daqueles estudantes com seus próprios olhos e a partir daquele momento passou a admirá-los. Mas, a participação de Nara vai além nesta história. Ela começou a estimular a Laíssa a lutar por uma vaga na universidade pública.

Passado o susto de ouvir o que ouviu do professor, nas idas e vindas de Ourinhos, Laíssa viu-se inscrevendo para concorrer a uma vaga na incubadora da USP. Entre cerca de 140,150 inscritos somente ela e mais dois estudantes foram contratados pela incubadora. A menina desbancou estudantes de grandes universidades, até mesmo da USP.

Alegria imensa, tudo de bom, mas, pra pagar a universidade Lalá trabalhava na cooperativa e ganhava cerca de 900,00 reais por mês, agora na USP ganharia bem menos e não teria como bancar as despesas, alimentação, mensalidade, passagem….Irônico né, com status, sem dinheiro.

Foi então que ela me procurou bem envergonhada e disse:”Jô, o que você acha de eu tentar me transferir pra USP? Hoje é o último dia para inscrição.”

“O que você está esperandoooo?”

Não tenho 100,00 pra pagar a inscrição…….

Resolvido o problema da inscrição, recebi um email com a lista de livros que repassei para alguns amigos queridos da Agenda 21,uma certa blogueira suja que publicou não bastasse a lista de livros que a menina tinha ler quanto os que não precisava. [Ver Moçada da área de biológicas gestão pública - deem uma força para a Laíssa]

Feito, um mutirão pró Lalá. Livros foram enviados, muita gente suja colaborou. Laissa não sabia de nada estava trabalhando na construção de casas com o ONG Um Teto para Meu País. Quando chegou ficou emocionada com os muitos emails. Carlos Henrique, professor universitário, e consultor do Ministério do Meio Ambiente foi pessoalmente a cooperativa levar alguns livros, que foram fundamentais para Laíssa.

Não preciso contar que ela passou em 4º lugar, agora é uma Uspiana, a partir de 2012 é na USP Leste que Laíssa estudará, continuará seu curso de gestão ambiental.

A Agenda 21 de Santo Amaro homenageou Laíssa no lV Encontro das Agendas 21 da Macro Sul de São Paulo, quer que esta homenagem seja um estimulo aos jovens como ela e também uma justa homenagem ao seu esforço e de sua mãe.

Laíssa estudava o tempo todo, começava as 4h da madrugada, de domingo a domingo tentando buscar um tempo perdido nas salas de aula de um sistema público de ensino que não visa colocar jovens como a Laíssa na universidade pública.

Não sei se feliz ou infelizmente Laíssa chega a USP num clima de guerra, repressão, truculência, mas sei que ela sempre viveu a truculência da polícia, a guerra pela sobrevivência e a repressão do Estado. Quem vive na favela sabe bem o que é uma invasão, mas, também sabe lutar e a menina Laíssa o sabe.

Laíssa como ela mesmo diz “tem a cor de seus bisavós que nasceram negros”, tem a cor da luta pela liberdade e se preciso for, lutar por uma universidade livre ela lutará. Lutar para que outros jovens como ela tenham as mesmas oportunidades que jovens de classe média tem, ela lutará.

Em sua breve vida como membro da incubadora de resíduos ela já tem fortes laços de amizade e companheirismo, está aprendo e levando o que aprendeu para a cooperativa e para a periferia. Está ensinando na incubadora o que a vida lhe ensinou a duras penas, e assim sendo, fazendo revolução.


Se a USP é para quem tem dinheiro para ir pra Disney e estudar em colégio particular caro, um prêmio, para as Laíssas da vida é oportunidade de virar o jogo e mudar o país.

Só avisando, na casa dela tem 12 Laíssas e mesmo assim a cooperativa de catadores da Granja Julieta será transferida para a Capela do Socorro. A prefeitura de São Paulo não acha que gente como ela, a mãe e os irmãos sejam dignos de trabalhar no bairro da Granja Julieta.

Parabéns Laíssa, nós nos orgulhamos muito de você.

Postagem de 17 de novembro do sítio Maria Frô.


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