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Geólogo e professor aposentado, trabalho este espaço como se participasse da confecção de um imenso tapete persa. Cada blogueiro e cada sitiante vai fazendo o seu pedaço. A minha parte vai contando de mim e de como vejo as coisas. Quando me afasto para ver em perspectiva, aprendo mais de mim, com todas as partes juntas. Cada detalhe é parte de um todo que se reconstitui e se metamorfoseia a cada momento do fazer. Ver, rever, refletir, fazer, pensar, mudar, fazer diferente... Não necessariamente melhor, mas diferente, para refazer e rever e refletir e... Ninguém sabe para onde isso leva, mas sei que não estou parado e que não tenho medo de colaborar com umas quadrículas na tecedura desse multifacetado tapete de incontáveis parceiros tapeceiros mundo afora.

sábado, 3 de setembro de 2011

Mídia ocidental fez assepsia na guerra da Líbia (3set2011)

Prêmio CBJM Internacional de Jornalismo Manipulativo


Por ocultar durante meses o efeito humano dos bombardeios diários promovidos pela Otan, assim como o efeito humano das ações dos “rebeldes” e dos contra-ataques das forças do governo líbio, o Prêmio CBJM Internacional de Jornalismo Manipulativo, em sua segunda edição, vai para…

… a “mídia ocidental”.

Foi a primeira guerra “limpinha e cheirosa” da história da humanidade.

Bombas destruidoras viraram fumaça negra, esteticamente atenuada por belas árvores.


Não é bonito?


Balas atingiram alvos ocultos.


Rajadas ao léu contrastavam com a calma dos atiradores. Perdão: “rebeldes”.


Mísseis triunfais atingiram, com precisão, povoações… desertas.


E o tiroteio também foi associado à alegria e à comemoração.


E os corpos? E os feridos? E o sofrimento humano?

A “mídia ocidental” comeu – isto é, censurou.

A conveniência dos fins obriga à eliminação da inconveniência dos meios.

A Otan realizou ataques diários desde março deste ano: março, abril, maio, junho, julho, agosto – e bombardeou alvos no país até a queda de Trípoli, em 23 de agosto.

Só atingiu veículos, prédios e instalações – nenhuma pessoa.

Os combates entre os grupos líbios começaram antes, em fevereiro: produziram muitas fotos de fumaça em prédios e depósitos, e de carros em chamas ou incinerados.



Nenhuma foto de vítima.

Opa! Falha nossa. Uma foto. Escondidinha. Vejamos.


O sofrimento feliz do guerreiro. O V da vitória. Ainda não foi dessa vez.

Outra! Depois de muito procurar…


Só um tiro na perna. A foto simbólica do herói rebelde.Também não foi dessa vez. E a população?

Achamos outra.


“Os corpos de dois guerreiros cobertos por uma manta”. Conveniente.

Hum… Essa doeu.


Não. Quer dizer, doeu sim. Mas é de um combatente, também. Vivos se ferem levemente, e não precisam ser cobertos por manta.

Na única imagem realista, um aviso: é melhor não ver, afinal agora começa a guerra de verdade.


Temos choro, aqui? Parece.


Ah, claro. Era um “rebel fighter” (lutador rebelde). Convém suscitar pena por ele.

Há outras fotos. Poucas. De “rebeldes” (denominação adotada por toda a mídia ocidental, e que generosamente abrangeu até os mercenários – unanimidade de tratamento que reflete o alinhamento automático da “mídia ocidental” aos interesses e à visão de mundo dos EUA. Lembram-se dos “insurgentes”, no caso da resistência iraquiana?).

A estratégia das informações assépticas, treinada pela “mídia ocidental” a partir do ataque ao Afeganistão, funcionou desta vez a 100%.

Foram bombardeios e batalhas de videogame. O sofrimento da população civil, o desespero dos parentes e amigos das vítimas, a destruição física dos corpos, o trauma psicológico, a gratuidade da violência liberada, ou seja, a essência humana das guerras – tudo isso ficou nos conflitos do passado. Tão século XX…

A guerra do século XXI só mata nos textos, jamais nas imagens. A revolução será televisionada, sim. Seus efeitos devastadores nos seres humanos, jamais.


Choro, só de alegria.


Preces, só de agradecimento.


Abraços, só de comemoração.


Não é lindo ver um pai educando seus filhos nos valores da civilidade?



No ataque à capital do país, seguido da invasão do complexo militar do ditador líbio, morreram mais de 400 pessoas e 2.000 ficaram feridas, por alto.

Da BBC:

0053: Al-Arabiya is reporting that more than 400 people have been killed and at least 2,000 injured during the fight for Tripoli, according to Reuters.

Você viu algum desses mortos ou feridos? Nem eu.

A BBC conseguiu falar ao telefone com a enfermeira-chefe de um hospital em Trípoli.

http://www.bbc.co.uk/news/world-africa-14631987

Veja abaixo a única ilustração da matéria, que exemplifica de modo notável a trágica situação vivida por médicos, enfermeiras e ajudantes, carentes de material e equipamentos, às vezes sem condições de limpar o sangue do piso.


Não foi mostrada nenhuma foto enviada pelo celular da enfermeira-chefe. Um repórter deixaria de pedi-la? Não. Um editor da “mídia ocidental” deixaria de mostrá-la? Sim.

A História não acabou, mas a diplomacia sim. Todos os problemas internacionais, agora, são resolvidos pela solução preferida dos americanos e da indústria de armamentos: a guerra. Então, que se higienize a narrativa da guerra para torná-la, mais que aceitável, desejável.

Por tudo isso, pela assepsia perfeita das informações e pela criação da guerra limpinha e cheirosa, a “mídia ocidental” merece ganhar o segundo Prêmio CBJM Internacional de Jornalismo Manipulativo.

Depois, é claro, de lançarmos um demorado jato de “Bom-Ar” no troféu a ser entregue.

* * *

Para conhecer a verdadeira história da guerra “ganha” pelos rebeldes, clique aqui:

http://www.navytimes.com/news/2011/08/ap-rebels-describe-plan-to-take-tripoli-082411/

Foram mais de 20.000 missões aéreas da Otan na Líbia:

http://www.guardian.co.uk/commentisfree/2011/aug/24/libyas-imperial-hijacking-threat-arab-revolution

Mesmo depois de “vencida a guerra”, as missões continuaram: 48 somente em 24/8/2011. Da BBC:

0936: Nato says its aircraft carried out 48 sorties in Libya on Wednesday.

A “mídia ocidental” só contou a verdade para nós depois da queda do ditador líbio. Como deve ser.


Que o povo líbio seja feliz. E esperto.

Publicado em 24 de agosto de 2011 no blog Curso Básico de Jornalismo Manipulativo (CBJM).


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