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Geólogo e professor aposentado, trabalho este espaço como se participasse da confecção de um imenso tapete persa. Cada blogueiro e cada sitiante vai fazendo o seu pedaço. A minha parte vai contando de mim e de como vejo as coisas. Quando me afasto para ver em perspectiva, aprendo mais de mim, com todas as partes juntas. Cada detalhe é parte de um todo que se reconstitui e se metamorfoseia a cada momento do fazer. Ver, rever, refletir, fazer, pensar, mudar, fazer diferente... Não necessariamente melhor, mas diferente, para refazer e rever e refletir e... Ninguém sabe para onde isso leva, mas sei que não estou parado e que não tenho medo de colaborar com umas quadrículas na tecedura desse multifacetado tapete de incontáveis parceiros tapeceiros mundo afora.

terça-feira, 30 de agosto de 2011

Sobre um final para a greve (30ago2011)

Minhas postagens podem dar a entender que eu defendo a greve a qualquer custo. A impressão é falsa, pois estou ciente dos transtornos que uma greve causa. Se não causasse transtornos não teria sentido, e nem efeito.

A questão que me incomodou nestes últimos acontecimentos foi a forma como tudo foi "resolvido". É visível a insatisfação dos professores, principalmente os que têm menos tempo de carreira, jovens doutores em sua maioria, com a situação salarial por que passam.

Salários insatisfatórios são um passaporte para o professor buscar outras fontes de renda ou então outros empregos que remunerem melhor e deem mais perspectivas futuras, inclusive em outros setores do serviço público cujas carreiras proporcionam melhores condições de trabalho e de qualidade de vida.

A expansão que as universidades tiveram nos últimos anos é elogiável, mas agora vem a parte mais difícil para o governo, que é a consolidação dessa expansão com a atratividade para bons profissionais realizarem concurso para ingresso na carreira docente. Há um deficit de servidores técnico-administrativos, pois as vagas daqueles que se aposentaram ou faleceram foram extintas durante muitos anos, sem possibilidade de reposição.

Faltam técnicos para laboratórios, sendo que diversos servidores que antes atuavam em setores que agora estão terceirizados passaram a cuidar de laboratórios sem terem formação e conhecimento adequados para isso.

Exige-se produtividade das universidades na pesquisa e na extensão, e isso faz parte do "ser uma universidade". O que vejo são os professores se batendo entre sala de aula e atividades de campo de graduação e pós-graduação, busca por recursos e financiamento para suas pesquisas, execução das pesquisas dentro de cronogramas definidos, confecção e entrega de relatórios.

Para quem está fora, o ambiente das universidades pode parecer idílico, lembrando filmes românticos sobre a vida acadêmica. O que existe, no entanto, é um stress constante de cobranças, sendo que a dimensão do prazer da busca do conhecimento e das atividades pedagógicas vai continuamente para um esmaecido pano de fundo, quase desvanecido.

O resultado disso já aparece em pesquisas sobre as condições de saúde dos professores universitários, sendo que a depressão, os acidentes cárdio-vasculares e os acidentes vasculares cerebrais têm uma incidência bem acima da média da população em geral.

Outro aspecto relacionado à expansão das universidades é o fato de elas terem absorvido praticamente todo o quadro de doutores formados durante o período de estagnação da economia. Os recém-formados, ante a dificuldade de inserção no mercado de trabalho, buscaram a pós-graduação (mestrados e doutorados) tanto como forma de se manterem com as bolsas de pós-graduação quanto como meio para se tornarem mais viáveis num mercado de trabalho em recessão.

Hoje, o mercado de trabalho está aquecido e a procura por pós-graduação não é mais a melhor alternativa para o recém-graduado. Muitos professores estão em vias de se aposentar e, em algumas áreas do conhecimento, ficará difícil encontrar doutores que se disponham a disputar uma vaga para a carreira acadêmica. Isso pode comprometer diversos programas de pós-graduação no país pela falta de corpo docente.

Há, portanto, necessidade de se lutar para que a universidade pública brasileira constitua para si as condições de continuidade e de crescimento. E essa é uma luta que deve ser abraçada por todos os segmentos da academia, bem como por setores da sociedade que tenham essa mesma percepção.

Quando se vê o governo investindo pesadamente em obras de infraestrutura, uma excelente política, por sinal, vê-se, também, que o mesmo não coloca a educação e a formação de corpo técnico e científico que atenda às demandas que virão do crescimento econômico e dos investimentos governamentais.

O investimento na educação em todos os níveis é essencial. É investimento na mais importante das infraestruturas, que permite a efetiva ascensão social, que é a que ocorre com a formação de técnicos e cientistas com saberes e discernimento para alavancarem a ascensão social do conjunto da sociedade.

Por sua vez, a grande mídia vive colocando o custo da educação como "gastança" do governo, que vai contra o alcance das metas de "superavit primário". O que tem que ser privilegiado, na visão dessa mídia, é o pagamento dos interesses (juros) de investidores privados nacionais e internacionais, e sempre com taxas Selic ascendentes para o aumento desses ganhos. Isso, mesmo que à custa de cortes profundos em investimentos em educação e saúde. Esses setores devem, dentro dessa mentalidade, ser explorados primordialmente pelo setor privado.

Postei outro dia (ver aqui) que professores de uma universidade norteamericana descobriram / desenvolveram um "matador turbinado" de vírus, e que fizeram testes de sua aplicação em um dos rios mais poluídos do mundo, obtendo excelentes resultados na decomposição de elementos orgânicos deletérios daquelas águas. Ao invés de patentearem a descoberta, os professores tornaram seus conhecimentos públicos para serem utilizados com maior rapidez e sem pagar royalties em todo o mundo. Esse é o espírito do cientista de fato comprometido com o conhecimento e com o bem coletivo. Eles abriram mão de ficarem muito ricos em nome das muitas vidas que podem ser salvas pela sua descoberta.

Esse espírito está se perdendo nas universidades do mundo, onde a visão capitalista - da competição, da pressão psicológica, da pesquisa aplicada com financiamento privado, tudo isso - leva ao individualismo, à colocação dos interesses pessoais acima do bem comum.

Por fim, pergunto: não temos que pelo menos tentar reagir ante esse quadro? O que eu defendo é que as universidades públicas devem ser estruturadas dentro de uma visão sistêmica de todo o processo de crescimento do país. É seu papel produzir conhecimentos teóricos e aplicados. É seu papel formar pessoal técnico não só com saberes adequados mas também com a consciência cidadã, para que participem cooperativamente do contexto atual e futuro do desenvolvimento brasileiro.

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