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Geólogo e professor aposentado, trabalho este espaço como se participasse da confecção de um imenso tapete persa. Cada blogueiro e cada sitiante vai fazendo o seu pedaço. A minha parte vai contando de mim e de como vejo as coisas. Quando me afasto para ver em perspectiva, aprendo mais de mim, com todas as partes juntas. Cada detalhe é parte de um todo que se reconstitui e se metamorfoseia a cada momento do fazer. Ver, rever, refletir, fazer, pensar, mudar, fazer diferente... Não necessariamente melhor, mas diferente, para refazer e rever e refletir e... Ninguém sabe para onde isso leva, mas sei que não estou parado e que não tenho medo de colaborar com umas quadrículas na tecedura desse multifacetado tapete de incontáveis parceiros tapeceiros mundo afora.

sexta-feira, 12 de agosto de 2011

O professor também come! (12ago2011)

Orora analfabeta
Jorge Veiga


O título da postagem vem de um texto de João Ubaldo Ribeiro, em que ele conta que muitas pessoas influentes procuravam por Rui Barbosa para se aconselharem sobre seus negócios. À época, o Conselheiro estava sem trabalho, mas atendia a todos com boa vontade sem cobrar nada por isso. Cansada de ver isso, e diante de dificuldades na economia doméstica, a esposa do Conselheiro acompanhava os consulentes até a porta e, para que algum pagamento fosse feito pela consulta, ela dizia "O Conselheiro come".

Vê-se que o conhecimento adquirido por Rui Barbosa ao longo de sua trajetória política não era considerado como algo por que se deveria pagar. Eu sei que hoje é diferente, pois Palocci e outros ganharam muito com seus saberes políticos.

Mas não se dá aos professores o mesmo valor que se dá aos paloccis da vida.

Os professores constituem uma categoria cuja greve demora muito a sensibilizar tanto o governo quanto a mídia. Aparentemente não há "prejuízo por diminuição de produção". Já uma greve de trabalhadores de setores da indústria, do comércio ou do setor de serviços, essa passa a incomodar muita gente em pouco tempo.

Isso está arraigado no imaginário social. Há muitos anos a CUT convocou os trabalhadores para um dia de paralisação geral e manifestações de rua. Durante a passeata que parou o centro de Cuiabá, com um número enorme de manifestantes, o então presidente da CUT esteve presente. Eu estava bem ao lado dele quando perguntou aos organizadores locais se os trabalhadores estavam aderindo de fato ao movimento. Foi-lhe dito que a grande maioria dos manifestantes eram professores de todos os níveis de ensino.

Ante essa informação, o presidente perguntou: "Mas os trabalhadores mesmo, não pararam?". Não tenho boa memória para nomes, mas me parece que o nome dele era Menegheli, ou algo assim. Ele não falou por mal, nem, decerto, quis ofender os professores. Mas o discurso explicitou, involuntariamente, um conceito construído ao longo de nossa história: trabalhador é aquele cuja atividade gera produtos de consumo.

Mesmo os professores, principalmente os universitários, não se identificam exatamente como "trabalhadores". Aliás, muitos nem se dizem professores quando se lhes pergunta sua profissão. Uns são médicos, outros geólogos, outros engenheiros. Geralmente os que têm formação pedagógica, os licenciados, esses sim se dizem professores. Mas já vi professora formada em Pedagogia responder que era pedagoga, quase que numa tentativa de fugir do termo professor.

Várias greves de professores vêm acontecendo ao longo de 2011 e pouquíssima gente fica sabendo, e mesmo as mídias locais somente pautam a greve quando não tem mais jeito de fazer de conta que ela não existe.

Em Minas Gerais, por exemplo, está ocorrendo uma greve dos professores da rede estadual que dura mais de 60 dias. Segundo informação de Paulo Silva, leitor do sítio do Luís Nassif, "as direções das escolas ficaram autorizadas a contratar substitutos para as turmas de 3ª série"; o jornal O Tempo noticia um confronto entre a direção e professores que "ameaçados de demissão ocuparam a escola e impediram a contratação de substitutos". Diariamente são registradas passeatas de alunos em Belo Horizonte "exigindo abertura do diálogo entre governo e professores". Por último, a represália do governo cortando os salários dos professores, gerando problemas não somente para os sem-salário mas, também, para pequenos municípios cujas economias dependem em grande medida dos salários e aposentadorias de professores.

A história do salário é crucial. Primeiro, é preciso ter claro que a greve é um direito constitucional do trabalhador. O corte de salário não se justifica por uma razão simples: os professores passam a obedecer a um novo calendário escolar ao final da greve, repondo as aulas não dadas seja dando aulas em períodos extraordinários, seja com a mudança do calendário escolar, com a diminuição do tempo entre os períodos letivos até que o ano letivo volte a coincidir com o ano oficial. E para isso, o professor não receberá horas extras e nem qualquer adicional. Portanto, estará cumprindo o trabalho devido pelos salários pagos durante a greve.

No caso de corte de salário, eu particularmente entendo que, no retorno da greve, as aulas devam ser retomadas com o lançamento das matérias que deveriam ter sido ministradas na greve nos diários de classe, e continuar a partir daí. Isso, sim, geraria uma perda impensável à comunidade estudantil. Geraria o caos, certamente.

Um outro aspecto das greves docentes está relacionado à luta por melhores condições de trabalho, mais equipamentos e instalações adequadas para as escolas. No caso dos professores das universidades federais, que conheço mais de perto, nenhuma pauta de greve perde de vista a defesa intransigente da educação pública, gratuita e de qualidade, com financiamento público.

Mas tenho certeza de que, por muito tempo ainda, continuará sendo estimulada a desqualificação dessa profissão, com ênfase aos professores das escolas públicas, as quais, abandonadas à própria sorte e às iniciativas corajosas de professores que buscam no cotidiano criar situações e condições inovadoras para estimular a aprendizagem.

Não acredito que os professores das escolas particulares vivam situação salarial tão melhor. Mas esses, se abrirem a boca para protestar, são simplesmente demitidos. São professores que vivem a constante instabilidade de saber se terão emprego no próximo período letivo, ou mesmo qual será a sua carga de aulas. São professores que não podem planejar com tranquilidade a compra de suas casas ou de outros bens. O stress está presente em seu dia a dia, e eles não podem se dar ao luxo de ficarem doentes, sob pena de terem suas famílias desamparadas ante seus olhos.

Quando a educação receberá o respeito e a consideração a que faz jus. Todo mundo quer que seus filhos sejam bem educados para que tenham melhores oportunidades na vida. Mas o "artista" que vai fazer isso pelo seu pimpolho não pode reivindicar boas condições de trabalho e de vida. As mesmas boas condições que todos desejam para seus próprios filhos.

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