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Geólogo e professor aposentado, trabalho este espaço como se participasse da confecção de um imenso tapete persa. Cada blogueiro e cada sitiante vai fazendo o seu pedaço. A minha parte vai contando de mim e de como vejo as coisas. Quando me afasto para ver em perspectiva, aprendo mais de mim, com todas as partes juntas. Cada detalhe é parte de um todo que se reconstitui e se metamorfoseia a cada momento do fazer. Ver, rever, refletir, fazer, pensar, mudar, fazer diferente... Não necessariamente melhor, mas diferente, para refazer e rever e refletir e... Ninguém sabe para onde isso leva, mas sei que não estou parado e que não tenho medo de colaborar com umas quadrículas na tecedura desse multifacetado tapete de incontáveis parceiros tapeceiros mundo afora.

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

É a volta do cipó de aroeira no lombo de quem mandou dar (3ago2011)

Por Chico Villela, postado em redecastorphoto em 1 de agosto de 2011.


A volta do cipó de aroeira

O anunciado colapso do mercado de títulos do Tesouro dos EUA previsto para ocorrer no segundo semestre, lança mais que sombras, lança rolos de cinzas sobre as perspectivas de futuro imediato para todo o mundo.

A hoje superada solidez econômico-financeira dos EUA, que lhes permitiu tornarem-se a maior economia do planeta, foi alicerçada, entre outros, sobre três pilares: a liderança da produção e da inovação industrial, o dólar como divisa mundial de reserva necessária a operações externas como a compra de petróleo, e os títulos do Tesouro, entesourados pelos bancos centrais e comerciais e por investidores de porte. Papel para comprar bens e serviços: o melhor negócio do mundo desde que um papa passou a vender indulgências plenárias aos aspirantes ao céu católico.

Mas, de uma posição de detentor de 52% da economia mundial após a Segunda Guerra, hoje os EUA respondem por cerca de 20% do PIB mundial, sua produção industrial chega apenas a pouco mais de 10% do seu PIB, e vêem alguns de seus grandes parceiros, quase todos da Europa (Reino Unido, Itália, etc.), naufragar em crises sistêmicas que ameaçam até mesmo construções políticas fundamentais como a União Européia, e o Japão imergir em catástrofes e problemas que o imobilizam. As três crises, do dólar, dos títulos do Tesouro e dos déficits, somadas à ausência de leis do território de ninguém em que operam bancos que mais parecem grupos de crime, asfixiam a economia dos EUA progressivamente.

Além disso, a época assiste à emergência de novos poderes globais em acelerado desenvolvimento, como os nucleares China e Índia, que contam com territórios e vastas populações essenciais para alavancar sua projeção internacional; e de atores menores, mas pródigos em território, fontes de energia e ambientes especiais ricos e diversos, como a nuclear Rússia, e em território, fontes variadas de energia, terras agricultáveis, sol, biodiversidade, recursos minerais, paraísos tropicais de serviços e turismo, muita água e florestas, etc., como o Brasil. Outros países, como África do Sul, México, Coréia do Sul, Turquia, etc., aportam também com expressão no cenário internacional. Prevê-se que a China torne-se a maior economia do planeta entre 2025 e 2030.

As diferenças entre a América Latina das décadas de 1960-70 e a de hoje revelam o vasto grau de mudanças em ebulição no mundo contemporâneo. Após ter sido tomada por um colar de ditaduras militares assassinas e repressoras, no contexto da Guerra Fria, apoiadas e/ou instaladas pelos EUA, a emergência e consolidação de novas forças sociais e o enfraquecimento da ação do império possibilitaram o panorama atual, em que as populações de países como Brasil, Argentina, Venezuela, Bolívia, Equador, Uruguai, Peru e outros elegem governos voltados à promoção da ascensão social e econômica das camadas mais pobres e ao exercício dos direitos civis.


A solução militar

A recomposição geopolítica derivada desses macrofenômenos tem levado o império – que vive hoje a braços com a maior recessão desde mais de um século, desemprego crônico (há 40 anos não há aumento real para os salários), concentração de renda e aumento da desigualdade social, além da perda de vitalidade econômica –, cada vez mais, a uma posição em que sua única arma são exatamente as armas e seu poderio militar montado sobre o chamado “império de bases”, mais de 1,5 mil instalações (contadas as de Iraque e Afeganistão) em mais de 70 países.

Com orçamento militar maior que a soma de todos os dos outros países reunidos (levados em conta os gastos militares paralelos de vários órgãos associados); indústria de armamentos imbricada com entidades e interesses financeiros, políticos e militares; a conhecida “porta giratória” de lideranças que transitam entre universidades, think tanks, corporações e as estruturas militar e civil de governo; e a constituição de vastíssimas redes de paramilitares, de mercenários, de vigilância e repressão, de controle interno e de assassinatos extrajudiciais; só restou ao império o lucrativo empreendimento das guerras ininterruptas. A rede de assassinatos extrajudiciais, ampliada por BHObama, emprega hoje mais de 60 mil das chamadas “forças especiais”, que operam em cerca de 75 países.


O poder imperial

Mas mesmo esse ambiente de destruição, rapina e conquista, que hoje se espraia por Iraque, Afeganistão, Paquistão, Yemen, Líbia, Somália, Sudão, Colômbia, Costa do Marfim e outros, e desborda para intervenções em regiões como o Oriente Médio, o Sul da Ásia e a Ásia Central, além de desvendar os reais interesses geopolíticos do império, tem contribuído, não para o sucesso, mas para a progressiva ruína imperial. Antes arautos da “democracia” e da “liberdade”, os EUA são o maior poder repressor, torturador e assassino da história contemporânea. Em realidade, o poder real nos EUA acha-se longe de políticos e outros agentes secundários, mas é exercido pelo chamado “Estado ProfundoDeep State. E conta com agentes de primeira linha, acima dos mecanismos políticos, como o polêmico Bilderberg Group.

É atribuído aos mentores de Osama Bin Laden o pensamento de a melhor estratégia para derrotar o império ser o fomento de muitas guerras assimétricas, em que terroristas, guerrilheiros e forças esparsas atuam contra exércitos pesados e estabelecidos. O objetivo desses mentores vem se realizando com precisão matemática: o império acha-se afundado em déficits crônicos e gigantescos, que tornam as finanças dos EUA caso centenas de vezes mais grave que, por exemplo, o das da Grécia. Repete-se o ocaso do último império desaparecido, o soviético, que encontrou seu fim no Afeganistão, e dissolveu-se logo após a retirada das tropas invasoras derrotadas.

Uma rede de imprensa corporativa concentrada em poucas mãos, dócil e parcial, dedica-se à compra de “corações e mentes” para apoio a essa avalanche de conquista. A dependência do país das fontes de energia do Oriente Médio favoreceu suas alianças com as mais odiosas e longevas ditaduras do planeta, outro campo em que o despertar dos povos árabes coloca sob ameaça as práticas imperiais.

Mas os resultados concretos, se geram lucros fáceis a corporações industriais e de segurança e bancos e rendem empregos régios à elite política e militar, também mostram, no médio prazo, a falência de uma orientação que termina sempre por voltar-se contra seus autores. A vergonhosa retirada do Sudeste asiático e do Vietnã foi apenas um dos véus que se levantaram e vêm sendo levantados, e que expõem, numa palavra sintética, a derrota do império em seu campo de excelência, a guerra.


Derrotas no Irã

Após depor em 1953 o nacionalista iraniano Mohammad Mossadegh que havia retirado o petróleo&gás das mãos dos britânicos e orientado a aplicação de suas riquezas ao país, os EUA e aliados empossaram e armaram o xá (rei) Reza Pahlevi, para opor-se aos soviéticos em plano internacional e aos insurgentes internos comunistas, anarquistas, republicanos e de muitas outras correntes. A revolução islâmica do aiatolá Ruhollah Khomeini em 1979 herdou o Irã armado e projetou um radical inimigo dos EUA-OTAN com apoio da população, exausta de ser oprimida e assassinada pela polícia política do xá, a sem limites de crueldade Savak. Khomeini comandou a queda do xá de Paris, do exílio, o que mostra o alcance de sua liderança e também da insatisfação geral no país.

De 1980 em diante, armado com armas convencionais e químicas por soviéticos (em reação ao assassinato de partidários comunistas por Khomeini), estadunidenses e britânicos, esses incondicionais e eternos aliados do império (as posições das potências foram fluidas e cambiantes), o ditador do Iraque Saddam Hussein empreendeu guerra contra o Irã dos aiatolás, que durou até 1988 e deixou mais de 1 milhão de mortos.

Batata quente, o Iraque de Saddam tornou-se alvo do império três anos depois, com a primeira guerra de Bush pai contra o país após a invasão do Kuwait, anteriormente ‘posse’ iraquiana numa região em que os territórios e as fronteiras de países e divisas de dezenas de etnias são estabelecidos nos mapas ao sabor das decisões dos poderosos do momento. O amigo de antes havia se transformado na grande ameaça ao equilíbrio precário do conflagrado Oriente Médio. Em 2003, o filhote de Bush “terminou o serviço” e, logo após, enforcou Saddam, antes que a batata pudesse falar e queimar a boca. Com isso, os EUA herdaram mais uma gigantesca derrota, na qual ainda se acham mergulhados com mais de 50 mil tropas, sem poderem sair e com perdas maiores se ficarem.


Derrotas no Afeganistão

Com base em interesses nunca confessados, já que todas as 16 agências de Inteligência do país declararam-se “surpreendidas”, Bush filhote acusou, 1 hora após a segunda explosão, Osama Bin Laden e a Al Qaeda pelos atentados false flag de setembro de 2001 e, logo após, invadiu o Afeganistão, em nome de terminar com o “apoio” do Taleban ao agora ‘inimigo número 1. Ao mesmo tempo, fez o Congresso, em estado de choque, aprovar a legislação mais fascista da história do país, o Patriot Act, que estabeleceu o controle total sobre os cidadãos, rasgou a Constituição, criou o aparato nazista da Homeland Security (orçamento de 65 bilhões de dólares) e acelerou a militarização das polícias e de outros organismos, como a FEMA, antes dedicada a ações de emergência em catástrofes e, a partir daí, também a ações contra “multidões e emergências sociais”.

Dez anos depois, acham-se atolados de novo, e perdem a guerra assimétrica com 100 mil tropas próprias mais 50 mil tropas da subserviente OTAN mais cerca de 100 mil tropas paramilitares e mercenárias, cujos agentes ganham cerca de dez vezes mais que os soldados regulares e são pagos pelos Departamentos de Defesa e de Estado e pelos contratistas, que ganham dezenas de vezes mais que todos juntos. As guerras do império são hoje um conjunto de atividades terceirizadas; sem dúvida, o maior negócio do século.

As estratégias obedecem, não a análises de Inteligência ou a critérios de planejamento de especialistas, mas, antes, a caminhos que podem render mais e mais dinheiros e lucros com juros. O hoje chefe do Departamento de Defesa e do Pentágono, Leon Panetta, saiu da direção da CIA, e o hoje chefe da CIA, general Petraeus, saiu do comando do Centcom, um dos seis braços militares do Pentágono que gere as guerras no Oriente Médio e Ásia Central. Apregoa “sucesso” com suas estratégias de aumento de tropas, assinadas sem chance de mudança pelo refém-presidente BHObama. Os números clamam pela verdade: ataques do inimigo aumentaram mais de 50%, e nunca morreram tantos soldados loiros de toda forma e feição e procedência. O Afeganistão confirma sua milenar marca histórica como “túmulo de impérios”. Mais uma derrota à vista para o acervo imperial.

As operações no Afeganistão contra os invasores soviéticos desde as origens foram realizadas com apoio do Paquistão e de seu serviço de Inteligência, ISI – Inter-Services Intelligence, sob batuta do MI6 e da CIA, cada vez mais uma subsidiária do Pentágono. Um dos primeiros combatentes, milionário e chefe de grupos treinados e armados para luta contra os soviéticos, era o saudita Osama Bin Laden, da mesma nacionalidade da maioria dos acusados pelos atentados de 2001. Osama Bin Laden organizou mais tarde uma rede de combate aos interesses dos aliados e de todos os “infiéis”, configurando mais uma derrota para o império.


Chalmers Johnson

O recém-falecido analista militar e ex-oficial da Marinha Chalmers Johnson cunhou algumas expressões para esses eventos. A mais conhecida é “império de bases”, traço fundador do atual império em definhamento. Outra é blowback, algo como ‘choque pra trás’, ou tiro pela culatra, que foca os resultados indesejáveis das ações guerreiras do império. O persistente e contínuo crescimento dos movimentos terroristas e de grupos armados em oposição às ações imperiais é claramente uma demonstração dos equívocos das políticas de guerra e de extermínio levadas à frente pelos sucessivos governos, sempre iguais entre si, que se alternam no poder nos EUA.

O ex-chefe do Centro de Contraterrorismo da CIA em 2005-2006, Robert Grenier, esclarece a questão do blowback de forma clara ao afirmar: “... não é só a questão dos números de militantes que estão operando naquela área [Af-Pak], também pesa a motivação daqueles militantes... Eles se vêem agora como parte de uma ‘guerra santa’ (jihad) global. Eles não estão apenas focados em ajudar muçulmanos oprimidos na Cachemira ou tentando ajudar a combater a OTAN e os estadunidenses no Afeganistão, eles se vêem como parte de uma guerra global, e assim são uma ameaça muito maior do que eram antes. Assim, de certa forma, nós colaboramos para criar a situação que mais temíamos”.


Paquistão, amigo inimigo

Dois exemplos recentes fecham a questão de modo definitivo. Os aliados transformaram o Paquistão em país nuclear e basearam sua guerra afegã na colaboração paquistanesa. A questão é que o atual inimigo Taleban é oriundo dos mais de 20 milhões da etnia pashtun, que vivem há milênios em terras próprias que os britânicos separaram em 1893 com a Linha Durand, consagrada com a separação entre Índia e Paquistão em 1947. A linha separa hoje Afeganistão e Paquistão. Perante o crescimento do Taleban e de forças menores que o apóiam, fez-se necessário ampliar a guerra aos territórios pashtun do Paquistão. Na novilíngua pentagonal, a guerra passou a ser referenciada como Af-Pak. O Paquistão deixou de ser aliado e passou a ser parte do problema.

Diariamente aviões sem pilotos, os “drones”, bombardeiam aldeias e vilas nos dois lados da linha. Os drones são comandados a partir de uma base militar nos EUA, e representam a tendência mais forte da guerra hoje. O problema é que as informações de orientação nem sempre são fidedignas. Assim, as vítimas dos bombardeios são sempre na maioria civis, famílias inteiras muitas vezes. Mais de 80% da população do Paquistão quer que os EUA saiam de vez do país.

No Afeganistão, sem pesquisas, talvez os números sejam maiores. Os EUA tentam adquirir a colaboração do Pak com dólares: já foram entregues mais de 7 bi aos militares ao longo de anos para garantir seu empenho na “guerra ao terror”. Mas, blowbackianamente, a maior parte do armamento do país é de origem chinesa, e isso inclui até mesmo aviões e tanques.

A China opera uma instalação portuária no Pak, na cidade de Gwadar, próxima ao Golfo Pérsico. Imediatamente após o “assassinato” de Osama Bin Laden em Abbotabad (não houve até agora evidências conclusivas do ocorrido), numa invasão do território do país por “forças especiais” dos EUA, o primeiro-ministro pak Raza Gilani visitou Pequim. Foi recebido por quatro dias, por todos os altos dirigentes, e saudado como grande parceiro, amigo de todas as horas, unidos para sempre. Uma sinalização clara: podemos independer de sua ajuda, mr. BHObama! Nada mau para o império, cuja política assassina entrega seu colaborador essencial nos braços do arquiinimigo principal, a China.


Líbia, equívoco imperial

O outro exemplo é a Líbia. Invadida pela Itália nos anos 1910, na guerra entre a Itália e o império otomano, e bombardeada por aviões pela primeira vez na história humana, a Líbia perdeu quase um terço de sua população na resistência aos fascistas herdeiros do império romano. A Itália arrebatou do império otomano as regiões de Fezzan, Tripolitânia e Cirenaica, que hoje formam a Líbia, e dominou até os anos 1930, com grande resistência dos locais.

Num golpe militar em 1969, o coronel Muammar Gaddafi, admirador do egípcio Gamal Abdel Nasser, e que havia estudado em Londres, expulsou um reizinho de curto reinado, Idris, inventado pelos britânicos, e reorientou lentamente o país numa direção socialista, apoiado nas rendas de petróleo&gás abundantes no desértico território. A partir de 2002, o governo Gaddafi abandonou sua posição de “inimigo do império e aliado de terroristas” e abriu as portas da indústria de petróleo&gás às corporações ocidentais.

Gaddafi vem reinando como ditador por 42 anos, e ninguém consegue essa proeza no mundo capitalista sem eliminar adversários e cometer atrocidades. Mas, ao mesmo tempo, com sua vertente social, o longo governo Gaddafi redimiu a população líbia e transformou o país, da posição de um dos países mais miseráveis do mundo, para a invejável posição de mais desenvolvido do continente africano. O IDH da Líbia é o maior da África, e superior, por exemplo, ao do Brasil. A assistência médica gratuita em todo o país apresenta níveis de excelência de países europeus desenvolvidos. O ensino gratuito das origens até a universidade promoveu a população a níveis de formação e informação incomuns no continente. Outras políticas sociais, como a mais cara operação de irrigação do mundo, de 42 bi de dólares, levaram a população líbia, à exceção dos ligados a perseguidos e assassinados, ao apoio incondicional a Gaddafi.

Mas essa situação é intolerável aos olhos dos novos colonialistas: seus ditadores apoiados, como os do Bahrain e do Yemen, e o anterior Mubarak, do Egito, ocupam-se em vender suas riquezas aos invasores e manter contas em paraísos suiçamente próprios, e não em promover seus povos a condições de alta dignidade, aliás apregoadas pelos arautos da democracia e da liberdade, o que, se ocorressem, fatalmente levariam esses povos a expulsar os invasores e estabelecer governos como o de Gaddafi.

Valendo-se do despertar de povos árabes, a máquina de guerra dos EUA-OTAN vislumbrou oportunidade de expulsar Gaddafi do poder pela fabricação de “revolta popular” contra a tirania, o que poderia lhe valer acesso livre às riquezas do país. Para tanto, o império valeu-se de adversários alojados na cidade de Benghazi, na região da Cirenaica, rica em petróleo&gás, que havia sido capital sob o reizinho fugaz e reduzida em importância por Gaddafi, originário de tribo da Tripolitânia, região mais pobre. Recrutaram-se, entre outros “revoltosos, inimigos políticos do ditador, traficantes de drogas, armas e pessoas, desocupados e vigaristas de variados matizes, jovens desempregados; enfim, um exército Brancaleone, armado, treinado e financiado pela CIA e o MI6 britânico. A imprensa dócil e a serviço propagou imagens ridículas do ditador e enalteceu os “combatentes da liberdade”.

Mas algo não funcionou bem. As “tropas” de “revoltosos” demonstraram-se sem a mínima condição de combate, e passaram a ser conduzidas por “assessores” aliados. Além disso, as forças leais a Gaddafi deram mostras de força e união. Gaddafi sempre privilegiou armar a população em detrimento de grandes forças armadas. Perante esse impasse, os aliados arrancaram da desmoralizada ONU uma “resolução” que, na prática, abria a possibilidade de “intervenção humanitária”, que foi estendida, sob o silêncio conivente de Ban Ki-moon, para bombardeios. Mas de novo algo não funcionou bem. Após destruir as defesas antiaéreas do país, a OTAN passou a bombardear covardemente instalações militares, de infra-estrutura, de comunicações; enfim, até mesmo hospitais e universidades foram atingidos. Neste momento em que escrevo, a OTAN desistiu de sua campanha de assassinato de civis e, afinal, rendeu-se à realidade do inevitável “diálogo”.


Os eternos inimigos

Por detrás de todos esses movimentos, enxerga-se um velho teórico britânico que fundamentou a ciência da geopolítica, mas cujo pensamento talvez tenha sido tensionado demais sem consideração às dinâmicas de um mundo em revolução, com ampla circulação de informações e despertares precoces de povos e etnias. Para Halford MacKinder, o objetivo central do império ocidental (no início do século XX, o inglês, e, após a Segunda Guerra, o estadunidense) devia ser o controle militar e político, o Great Game, da imensa massa de terra que une a Europa aos extremos da Ásia, hoje em mãos basicamente de Rússia, China e aliados, com a Índia e vizinhos na posição de fiel da balança.

O império enfrenta hoje três grandes inimigos: China, Rússia e Irã. Rússia e Irã são ricos em fontes de energia, e a China usa seu poderio financeiro e diplomático, pacífico e de cooperação, para investir em países fornecedores e garantir os insumos necessários ao mais vertiginoso crescimento da história recente. O objetivo central do império passa então a definir-se em torno de dois eixos: cerco militar, redução do poder e aniquilamento dos grandes inimigos, e ocupação de territórios e aliança com governos da hinterlândia eurasiática.

Outra vertente, derivada por discípulo, do pensamento de MacKinder seguido pela sinistra figura do conselheiro de ação internacional de BHObama Zbigniew Brzezinski, seria a “ampliação do arco de crises” e a “divisão de países e territórios entre forças em choque”, o que renderia ao império eventuais aliados para lutar contra os seus adversários. O Iraque, por exemplo, foi seccionado em três, com o norte curdo, o sul xiita e o restante, ou sunita, ou sem dono, numa situação de divisão que só tende a se agravar. O povo baluche, que ocupa metade do território do Pak e o sul do Irã, vem sendo armado e estimulado à secessão, para a futura criação do país Baluchistão. O Sudão acaba de ver sua porção sul tornar-se um “país independente”, o Sudão do Sul, que nasce com o título de “o mais pobre do mundo”, imediatamente reconhecido pelos aliados e festejado pela imprensa grande: afinal, aloja quatro quintos das suas reservas de petróleo.


Limites imperiais

Mas a realização dessas tarefas geopolíticas de grande envergadura esbarra hoje em muitos obstáculos. A lista é extensa e de fortes cores básicas: a decadência do dólar como moeda de reserva; o fim do poder dos títulos do Tesouro dos EUA como aplicação garantida (os déficits astronômicos dos EUA desautorizam sua capacidade de pagar); a impossibilidade de manter várias guerras em andamento sem recursos e sem os apoios generalizados de antes; a situação gravíssima interna de insolvência que atinge o governo federal, os estaduais e praticamente todos os municípios do país e sua coorte de serviços em redução, como seguridade social, escolas, infraestrutura, etc.; o aumento da pobreza e a consequente queda do poder do mercado numa economia em que 71% do PIB acham-se vinculados ao consumo; a presença de 45 milhões de pessoas, 1 em cada 7 cidadãos, dependentes de vales-alimentação; a deterioração dos problemas ambientais; a opção por agricultura e produção de alimentos industriais que produzem resultados como um terço de população obesa até mesmo entre crianças.

Politicamente, anotam-se a ascensão de forças de extrema-direita, características dessas épocas de crise, que lembram com suas doutrinas fascistas casos anteriores como o do nazismo; a tendência tanto de democratas quanto de republicanos pelo corte nas rendas e serviços sociais; a impunidade e a crescente desfaçatez das grandes e poucas forças financeiras; a vigência do mais gigantesco aparato de repressão e assassinato da história; a definitiva orientação do país como dependente de guerras e de sua economia como parte de uma permanente guerra.

Mais que falência do grande Estado democrático do século XVIII, que antecedeu a Europa na transição às adaptações dos Estados ao novo mundo capitalista que se afirmava, o naufrágio do império desenha-se na perspectiva de tragédia. A conjugação de enfraquecimento econômico e político com a permanência da mais poderosa força de destruição da história humana não vem gerando e não deve gerar bons frutos. Sombrios horizontes do futuro imperial.

Como diz a música popular [de Geraldo Vandré], é a volta do cipó de aroeira no lombo de quem mandou dar.


Em tempo: os bombardeios de todos os territórios que sofrem agressões dos EUA-OTAN são feitos com bombas que portam DU – urânio empobrecido. As conseqüências a longo prazo serão trágicas para os povos agredidos e todos os habitantes do planeta.

Por Chico Villela - 2011-07-15

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