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Geólogo e professor aposentado, trabalho este espaço como se participasse da confecção de um imenso tapete persa. Cada blogueiro e cada sitiante vai fazendo o seu pedaço. A minha parte vai contando de mim e de como vejo as coisas. Quando me afasto para ver em perspectiva, aprendo mais de mim, com todas as partes juntas. Cada detalhe é parte de um todo que se reconstitui e se metamorfoseia a cada momento do fazer. Ver, rever, refletir, fazer, pensar, mudar, fazer diferente... Não necessariamente melhor, mas diferente, para refazer e rever e refletir e... Ninguém sabe para onde isso leva, mas sei que não estou parado e que não tenho medo de colaborar com umas quadrículas na tecedura desse multifacetado tapete de incontáveis parceiros tapeceiros mundo afora.

domingo, 31 de julho de 2011

Argumentos contra a ladainha midiática sobre a desindustrialização do Brasil (31jul2011)

Enquanto estou ao computador, deixo a TV ligada em canais de notícias. Assim, acabo de ouvir na BandNews uma ladainha que vem sendo "cantada" incansavelmente pela grande mídia: a desindustrialização do Brasil. Lembrei-me imediatamente do texto escrito por Miguel do Rosário, trazendo pesquisas feitas por ele para desmistificar esse discurso urubológico midiático.

O autor traz dados que mostram que a coisa não é bem assim como a imprensa (golpista) insiste em fazer parecer. Como gosto de argumentações bem fundadas, trago o estudo postado no blog do autor, o Óleo do Diabo.

Sobre a desindustrialização

Por Miguel do Rosário


Um leitor-amigo entrou em contato comigo para acusar o projeto de governo Lula/Dilma como sendo uma regressão à economia primário-exportadora. Eu respondi que iria buscar dados para respondê-lo e fazer uma análise baseada não em informações tendenciosas colhidas fragmentariamente na grande mídia, mas em fatos concretos.

Adiantei-lhe, porém, que a acusação de economia "primário-exportadora" costuma se fazer a países cuja economia ancoram-se na exportação de produtos primários. Embora a exportação deste tipo de produto seja muito importante para o Brasil, a nossa economia tem crescido baseada principalmente no consumo doméstico.

O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) tem dados completos sobre a produção industrial no país. Preparei uma tabela para a gente analisar, com dados de fevereiro de 2002 a fevereiro de 2011. Clique nela para ampliar:


A tabela acima é apenas um resumo com os 20 subsetores industriais que mais cresceram. A tabela com todos os subsetores industriais do país, também devidamente editada, encontra-se neste link.

O IBGE divide a produção industrial brasileira em 73 subsetores. Deste total, apenas 13 apresentaram queda de 2002 até hoje, e mesmo assim, quedas suaves. Destes 13 subsetores, apenas um é realmente relevante à produção industrial brasileira: o setor de calçados, cuja produção caiu 20% de 2002 até hoje, certamente em função da concorrência dos produtos chineses.

De resto, o IBGE mostra um crescimento firme de quase todos os setores industriais importantes, com destaque para a indústria ligada ao setor de transportes: aviões, caminhões, ônibus, carros, motos, tratores e navios. Também registrou-se um crescimento relevante na produção de eletrodomésticos.

Tivemos um crescimento apenas medíocre de um subsetor fundamental, o de material eletrônico e aparelhos de comunicação: apenas 17% de 2002 até 2011. Entretanto, sabemos que estes produtos hoje são produzidos quase que exclusivamente na Ásia, que nós jamais os fabricamos em escala significativa.

Note que houve um crescimento de 60% num subsetor extremamente importante, porque serve de base para crescimentos maiores no futuro: o de máquinas e equipamentos para fins industriais e comerciais.

Até o momento, portanto, ainda não vi nenhuma "desindustrialização", ou regressão do Brasil a uma economia primário-exportadora.

Talvez eu esteja cometendo algum erro de interpretação. Peço aos que defendem a tese contrária, portanto, que me tragam informações e dados mais consistentes do que tem feito até o momento, porque senão serei obrigado a acreditar em... mim mesmo.

Por outro lado, não se pode negar que o declínio do dólar atrapalha fortemente o desejo da indústria brasileira de aumentar suas vendas externas. Mas o problema cambial é comum ao mundo inteiro, com exceção da China. Todos os países latino-americanos registraram forte valorização cambial. Nos EUA, o dólar, mesmo tendo caído, ainda é muito mais forte que a moeda chinesa e uma vez e meia o real: também é um problema lá. O Euro, uma das moedas mais fortes do mundo hoje, igualmente provoca estragos na indústria europeia.

Ainda não ouvi ninguém trazer uma solução concreta que não seja a loucura de fixar novamente o câmbio.


O comércio exterior

Na verdade, há uma confusão provocada pela forte alta das exportações brasileiras de produtos primários. A exportação de industrializados também cresceu de maneira bastante firme nos últimos 10 anos, embora não no mesmo ritmo explosivo das vendas externas de matérias-primas. Resultado: mesmo tendo crescido, as exportações de industrializados perderam participação percentual na receita total exportada. Olhando sob uma perspectiva mais longa, a participação de produtos básicos na exportação brasileira, que chegava a quase 90% na década de 60, vem caindo substancialmente nos últimos cinquenta anos, e o aumento verificado a partir o início dos anos 2000 não reflete, necessariamente, o fim dessa tendência, mas possivelmente apenas um ajuste a um aumento muito forte da demanda mundial por essas mercadorias, o que se refletiu num mega-incremento da quantidade exportada das principais commodities nacionais, combinado a uma acentuada alta nos preços das mesmas. O importante, reitero, é verificar que tem havido, nos últimos dez anos, um crescimento muito grande, em termos absolutos, concretos, das exportações de manufaturados.


Há várias maneiras de se averigar uma possível deterioração da qualidade das exportações. Uma delas são os "termos de troca", que é a relação entre o valor das importações e exportações de um país durante um ano. Nos últimos 12 meses, o índice de termo de troca registrou alta.


Nos últimos anos, aliás, os termos de troca têm apresentado um resultado bem positivo. Ou seja, o valor das exportações tem aumentado a uma proporção maior do que o aumento no valor dos produtos importados. Se alguém quer denunciar um processo de "primarização" da economia, portanto, não vai conseguir fazê-lo através de uma análise dos termos de troca, que indicam, ao contrário, uma sofisticação de nossa pauta exportadora.


Mas os termos de troca também refletem os preços maiores das commodities, então não podemos nos restringir a isso para avaliar a qualidade da exportação.

Os números do nosso comércio exterior mostram que houve, entretanto, um baque nas vendas de manufaturados, provocado pela forte crise financeira que se espalhou por todo mundo. Até então, as exportações de manufaturados vinham crescendo de maneira consistente. Em 2008, bateram um recorde histórico de 92,6 bilhões de dólare, caindo porém para 67,34 bilhões em 2009. Em 2010, assistem a uma vigorosa recuperação, alcançando 79,5 bilhões de dólares. Nos últimos 12 meses até maio de 2011, já subiram para 84,3 bilhões de dólares, alta de 16% sobre o período anterior.


Os números nos permitem dizer, portanto, que as exportações brasileiras de manufaturados se recuperam da crise financeira internacional, que ainda se faz presente sobretudo no mundo desenvolvido, mas não é justo afirmar que a economia brasileira está num processo de "primarização".

A produção industrial brasileira (não confundir com exportação) cresce, de qualquer forma, com exceção das fábricas de calçados, a um ritmo mais ou menos independente das oscilações do mercado externo. Seu principal destino não é a exportação, mas consumo pujante das famílias brasileiras.

Repare que a indústria de bens de capital, que produz os maquinários industriais e, por isso, é considerada um termômetro do setor, cresceu 20,4% em 2010, ou seja, bem acima do crescimento médio da economia brasileira (o PIB cresceu 7% no ano passado). Por esse aspecto, portanto, também não se vê nada que indique um processo de "desindustrialização".


Concluindo, entendo que a indústria brasileira enfrenta enormes desafios. A concorrência asiática tem sido predadora, terrível, às vezes covarde e praticando um verdadeiro dumping cambial. A situação da indústria nacional, por isso mesmo, não é nenhuma maravilha. A combinação de uma carga tributária alta, falta de mão-de-obra especializada, infraestrutura precária, câmbio desfavorável, burocracia estatal excessiva, juros absurdamente altos, além da concorrência chinesa, não perfazem um cenário fácil para nenhum empresário. Para culminar, o mundo viveu uma de suas piores crises econômicas a partir de 2008, com reflexos até hoje, o que causou forte recuo no comércio global de produtos industrializados. Mesmo com todos esses problemas, porém, os números indicam que a indústria nacional tem se modernizado e crescido. Não cresce a um ritmo chinês, mas não se pode exigir do setor industrial aumentos de produção a uma velocidade só possível na realidade do agronegócio ou do extrativismo. Uma coisa é comprar um pedaço de terra, plantar e colher a soja no ano seguinte. Ou cavar um buraco e extrair minério em questão de meses. A instalação de uma nova indústria requer às vezes mais de dez anos, como é o caso das gigantes refinarias que o Brasil vem construindo. Havendo uma enorme massa cujo poder aquisitivo vem crescendo rapidamente, abundância de crédito e perspectivas de estabilidade econômica no longo prazo, a consolidação da indústria nacional é só uma questão de tempo.

*

Por fim, encontrei uma outra tabela (abaixo, clique nela para ampliar), mais simplificada, mostrando o crescimento ou queda dos diversos setores da indústria nos últimos três anos. Note-se queda na indústria têxtil e de calçados, por causa provavelmente da concorrência chinesa. Trata-se de uma indústria extremamente importante, em tamanho e geração de emprego, e que deveria merecer alguma atenção do governo. Mas competir com a China é cruel. E desde que não podemos fechar nossas fronteiras para a China, pois isso significaria impor um protecionismo que não é o que defendemos na OMC, a única solução é investir pesado no aumento da produtividade das indústrias nacionais. Seja como for, a indústria têxtil hoje em dia não é mais vanguarda.

Repare que 2009 foi um ano ruim para todos os setores, em função da crise financeira internacional. Mas em 2010 assistimos uma forte recuperação. O segmento de máquinas e equipamentos cresceu 24% em 2010. O segmento de máquinas para escritório e equipamentos para informática, depois de cair em 2008 e 2009, apresentou crescimento de 13% em 2010 e 15% em janeiro de 2011. Não sei o que isso significa em termos de relevância em relação ao PIB, só sei que é bom. Crescer é bom de qualquer jeito. O segmento de "equipamentos médicos/hospitalares, ópticos e outros" cresceu 21% em 2010. Enfim, os setores mais avançados da indústria apresentaram uma recuperação vigorosa no ano passado. Até o momento, portanto, a tese da "desindustrialização" não está colando comigo. Quer dizer, sei que há setores sofrendo, particularmente aqueles ligados à exportação, por causa do câmbio hipervalorizado. Eu também, no período 2003 a 2008, enquanto o Brasil crescia extraordinariamente, passei por um processo de rápido empobrecimento. Isso acontece. Uns sobem outros descem. Para analisar a economia de um país, no entanto, é preciso considerar sobretudo o quadro inteiro. No geral, a indústria brasileira continua crescendo. Isso não significa que as coisas estão maravilhosas. Se formos procurar problemas, vamos encontrar, com certeza, e se formos averiguar a fundo veremos que setores sofreram por causa da incúria e negligência governamental e quais perderam por incompetência deles mesmos.


Postado no blog Óleo do Diabo em 20 de julho de 2011

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